domingo, 24 de fevereiro de 2008

Os movimentos cívicos e as suas análises sobre a vida do país


Um dos desafios mais relevantes na actualidade, em matéria de desenvolvimento sustentável, prende-se com o envolvimento dos cidadãos na tomada das decisões que afectam positiva e negativamente a sua vida e o futuro das sociedades em que estão inseridos. Nas sociedades democráticas, a participação pública nos processos de tomada de decisão assume diversas formas e é condicionada por um conjunto diversificado de variáveis, que vão desde a cultura democrática dessas mesmas sociedades, até à utilização efectiva de soluções avançadas e expeditas de envolvimento real dos cidadãos nas tomadas de decisão.
Se por um lado, todo um conjunto de condicionalismos sociais, económicos, culturais e políticos, parece ter relevância na compreensão do fenómeno da participação, por outro lado, os resultados das políticas públicas em termos da criação de condições para promover a participação pública são de uma tal discrepância, que parece ser difícil encontrar neles uma estratégia comum, quer em termos nacionais, quer até, em termos de abordagem ao nível do espaço europeu. Inúmeras experiências de ordenamento do território e planeamento têm mostrado ambas as faces de uma mesma moeda – por um lado os bons resultados do envolvimento dos cidadãos e a apropriação por estes das soluções produzidas em conjunto; por outro, os ódios e conflitos decorrentes do exercício autoritário do poder da administração sobre os administrados.

A distância cada vez maior dos cidadãos quanto ao exercício de actividade política, deixa antever uma clara disfunção entre o que são os objectivos individuais e as expectativas destes, e o seu envolvimento em acções concretas que contribuam de alguma forma para esses objectivos. Com diferentes formas e conteúdos, a Europa possui vários tipos de normativos que tentam promover a participação dos cidadãos nos processos de tomada de decisão, ao mesmo tempo que tornou as questões da Participação num tema horizontal, integrando-o em várias políticas sectoriais. Passados quase dez anos sobre a assinatura da Convenção de Aarhus, em Junho de 1998, seria interessante avaliar de que forma o segundo pilar da estratégia por ela definida – Participação Pública na Tomada de Decisão - que decorria já de um dos princípios da Declaração do Rio (1992), teve consequência em Portugal. Neste contexto, será então importante ter também como referência para análise a Estratégia de Lisboa e avaliar de que forma os objectivos fixados para o desenvolvimento da Sociedade de Informação podem de alguma forma cruzar-se com a promoção da participação pública.

Quando vemos cada vez mais as organizações da sociedade civil tomarem posição e virem a público tornar claras as suas preocupações sobre diversas questões de importância nacional, assistimos às mais diversas reacções. Muitos se lembrarão das associações cívicas, outrora consideradas algumas vezes "a voz do dono", outras "antros de conspiração". Na verdade, com tradição alargada no tempo, foram votadas ao abandono, esvaziadas quer pelos partidos (compreensivelmente), quer pela desmotivação e desinteresse na vida activa da sociedade, que se viveu cada vez mais no período pós-25 de Abril.

Porém, há hoje, creio, uma inversão desta tendência que deve ser analisada com atenção. Por um lado, os partidos que acolheram a “massa crítica” da sociedade, que tinha intervenção activa, são hoje alvo de duras críticas, muitas delas justificadas, quando tentam fazer aprovar uma legislação que não mais pretende do que esmagar os extremos da ”normal”, reduzindo a expressão dos partidos pequenos e muitas vezes incómodos. Muita da sua energia provém hoje do poder e não do saber, que é por isso regulada pela posição que ocupam no espectro eleitoral e não, como seria de esperar, pelo seu valor próprio e pelo património de valores e saberes que conseguem acolher à sua volta. Este facto é tão mais relevante quando assistimos à crescente manifestação pública de oposições internas às lideranças dos dois maiores partidos políticos portugueses. Com muita vontade de imitar o Rei de Espanha no episódio ”Hugo Chavez”, os seus líderes tentam gerir de forma cirúrgica os afastamentos mais fortes da “ordem normal das coisas”, mas a verdade é que será inevitável por muito mais tempo, conseguir não cobrar bons serviços àqueles que se encontram mandatados para os prestar. Muitas mais associações se irão manifestar, e estou certo que será impossível evitar uma escalada de insatisfação para com a cada vez mais autista reacção de quem, às justas preocupações da sociedade civil, responde com uma análise positiva das reformas em curso.
Não resisto a dizer que este PREC – Período de Reformas Em Curso teria muito interesse em ser analisado em detalhe, dada a sua tão interessante semelhança com outros tempos também pautados por muitas medidas reformistas. Não será certamente alheio a este facto, alguns dos protagonistas terem feito “escola” nesses tempos, podendo hoje usar esses tão úteis conhecimentos. Eu atrevia-me até, sem querer parecer pretensioso, a propor ao Sr. Presidente da República que marcasse a data das próximas eleições legislativas para o dia 25 de Novembro. Há quem diga que a história nunca se repete, mas como neste nosso Portugal tudo é possível, sabe-se lá…!

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