segunda-feira, 17 de abril de 2006

Rais'ta Parta os Ratos!



O mundo encontra-se num impasse! Este começo dava já para dizer que podia ser interessante desenvolver este tema, mas tornava-se de certeza muito chato e acabaríamos numa qualquer teoria religiosa sobre o fim do mundo. O objectivo não é esse e por isso não irei por ai! O que está em causa podia ser ilustrado com a alusão a duas frases com as mesmas palavras – “ a obra-prima do mestre” e “a prima do mestre de obra”. Ou seja, o que está verdadeiramente em causa é que todos andamos a dizer as mesmas coisas mas os significados são diferentes. Bem diferentes até! As causas comuns estão cada vez mais na moda e o ambiente não é excepção. Algumas vezes está entre as maiores prioridades, quando vemos por exemplo peixes mortos a boiar num rio ou imagens de chaminés a debitar nuvens imensas de fumo. Outras, é razão da maior revolta, quando um qualquer “estupidificante” telejornal transforma um facto normal, que decorre do trabalho de investigação e defesa de valores naturais, numa catástrofe social de tal monta, que até o que se diz maior humorista português gasta 15 minutos do seu precioso tempo semanal a retratar esta desgraça.


A recente descoberta de uma espécie de rato que apresenta como única área de distribuição mundial um local do interior norte do país, tendo esse facto feito perigar a construção de um determinado troço de estrada no traçado proposto, fez levantar de novo a polémica sobre o “extremismo ecologista” e o “fundamentalismo ambiental”. O impasse a que me referi no início está aqui bem patente. O que defender primeiro? O crescimento das acessibilidades ao interior do país, advogado como desenvolvimento, ou uma espécie em vias de extinção, com um valor não calculado para a ciência? São duas perspectivas diferentes, defensáveis com igual força e com igual número de argumentos, mas não são e isto é o mais importante, antagónicas.


O modelo económico vigente não permite pôr na ordem as disfunções conhecidas e aqui há muito ainda por fazer. Há em geral uma diminuta percepção dos valores naturais, mesmo quando o contacto com estes é frequente ou a ligação é mais do que meramente casual, em visitas a áreas naturais ou de paisagens exemplares. O cidadão comum não tem a verdadeira noção do valor do património ambiental nacional!


Não se trata de saber o seu valor em bolsa, ou a sua cotação no mercado imobiliário, traduzida em capacidade construtiva. Trata-se da sua valoração enquanto património nacional, capaz de induzir riqueza de muitas formas, quer se trate de actividade turística, de investigação científica, de ordenamento do território ou qualidade de vida. E essa valoração tem necessariamente de começar por envolver mecanismos de reequilíbrio e compensatórios, que permitam aumentar a percepção destes valores por parte dos cidadãos.


A expressão “willingness to pay” representa em economia a “vontade de pagar por” ou seja, o quanto estamos dispostos a pagar por alguma coisa, e ela é uma medida da valoração de um determinado bem. Assim, em bens de interesse público, o Estado é responsável por aplicar, em primeira instância, esta estratégia. É valorando os bens de interesse público de forma correcta e célere, na justa medida do seu valor, que dará o exemplo! E o exemplo tem de vir de cima.


Quando se reconhece o valor de um determinado bem, a par da sua importância para a riqueza ambiental nacional, devem ser desenvolvidos os esforços necessários para que o bem público seja defendido, no entanto, não apenas à custa do esforço ou a expensas dos que directamente serão lesados nos seus interesses ou expectativas, mas sim compensando-os das suas perdas e reconhecendo o seu contributo para um bem comum – o património ambiental do país.


Será certamente mais fácil aos políticos justificar o interesse público da conservação de uma espécie única no mundo, tendo no entanto para isso que aumentar o investimento público na construção de uma estrada, que autorizar o corte de milhares de sobreiros para a construção de mais um hotel e meia dúzia de hectares de relvados.


Os cidadãos terão de certeza menos dificuldade em entender os argumentos de interesse público da primeira opção. Quando tal não acontece, e quando a conservação da natureza aparece como o parente pobre do estado, onde o desgraçado do instituto público responsável pela conservação da natureza se debate com dificuldades em pagar a água e a luz das suas instalações, onde não é sequer percepcionado pelos actuais responsáveis políticos o excepcional valor patrimonial ambiental que Portugal possui (ainda), não só em termos Europeus, mas até mundiais, qual é a moral de pedir aos cidadãos que justamente reivindicam a construção da estrada, que esperem mais tempo ou que paguem a diferença do investimento, porque para proteger os ratos e construir a estrada o dinheiro não chega? Claro que vão gritar com toda a força que conseguirem – “Rais’ta parta os ratos!”.


Nuno Banza