sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

Auditorias Ambientais a Aglomerados Urbanos - Um Instrumento de Defesa do Interesse dos Cidadãos


0 – Cidade: fonte de problemas ou de soluções?

É verdade que as cidades constituem uma forma inteligente encontrada pelo Homem para dar resposta às necessidades sentidas por sí, não apenas as mais básicas como a vivência gregária, mas também as de dinâmica social e económica, constituindo cada vez mais uma estrutura base das sociedades contemporâneas. Porém, a experiência generalizada demonstra que a sua formação e crescimento podem constituir um problema de difícil solução.

Necessariamente, o espaço urbano, sendo o Habitat actual de uma boa parte da população mundial, deve reunir outras condições que não apenas as físicas, de suporte a esta ocupação. Aliás, é hoje possível verificar que muitos locais que suportam fisicamente cidades de dimensão considerável, não reúnem as características necessárias para que se possa falar em qualidade de vida dos seus habitantes. Com efeito, descritores como a saúde, a qualidade do ar, da água e dos solos, o ruído, os espaços naturais, as acessibilidades entre outros, são matérias indissociáveis de uma análise do espaço urbano com objectivos de sustentabilidade.

A resposta à questão colocada só pode ser encontrada depois de implementado um qualquer processo que permita em primeiro lugar conhecer, e com base nesse conhecimento intervir, e por último avaliar os resultados da intervenção. Estes passos fazem parte de uma estratégia de planeamento e gestão, em que os critérios usados na definição das acções e subsequentemente na avaliação, têm como objectivo o desenvolvimento urbano sustentável. Talvez assim as cidades assumam o seu importante papel de fonte de soluções.

1 – As Auditorias Ambientais Locais no Contexto Global

Em Junho de 1992, com a realização no Rio de Janeiro, Brasil, da Conferência da Terra, deu-se início a um processo global de alteração de políticas e comportamentos, que genericamente visam atingir o objectivo que se identificou como “Desenvolvimento Sustentável”. Ainda antes, e mesmo não tendo um conteúdo completamente estabelecido, o conceito de desenvolvimento sustentável apontado no relatório “O Nosso Futuro Comum”, conhecido como o relatório Brundtland (UNWCED, 1987): “...é o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações vindouras satisfazerem as suas necessidades no futuro.”, recolhe hoje um largo consenso em torno desta definição. Uma das orientações saídas desta conferência incentivava os órgãos de soberanía locais a adoptar as suas próprias acções tendo em vista objecivos de sustentabilidade a nível local.

Em 1994, a 1ª Conferência Europeia sobre Cidades e Vilas Sustentáveis aprovou um documento que ficou conhecido como a Carta de Aalborg, que constitui o início de uma estratégia de apoio à implementação de acções locais, dando corpo à expressão “Pensar Globalmente, Agir Localmente”, tendo em vista o desenvolvimento urbano sustentável.

Em 1996, da 2ª conferência sobre o mesmo tema saíu um documento que se intitulou como “O Plano de Acção de Lisboa: Da carta de Aalborg à Acção” e que em seis vectores visa facilitar a implementação de acções por parte das autoridades locais, dentro da linha de actuação apontada na Carta de Aalborg. A implementação destas acções é hoje vista no contexto global do ordenamento e gestão urbana sustentável, que recorre a diversos instrumentos de caracterização, entre os quais a Auditoria Ambiental Local.

2 – O que é uma Auditoria Ambiental a um Aglomerado Urbano?

Uma auditoria é um processo através do qual se estabelece uma análise da realidade encontrada no objecto de estudo com base em critérios pré-definidos, organizada por descritores. Quando se especifica o âmbito da auditoria, dedicada às questões ambientais, implica a utilização de descritores de carácter ambiental, tais como Ar, Água, Ruído, Resíduos, Conservação da Natureza e Biodiversidade, Uso do Solo, Gestão da Energia, Clima, entre outros. Este processo é aplicado a um objecto de estudo, que neste caso é um aglomerado urbano. A aplicação de uma auditoria neste âmbito ao objecto de estudo definido, obriga a um enquadramento do trabalho no contexto das regras e procedimentos legais em vigor, sendo necessario interiorizar os critérios neles definidos como objectivos mínimos a cumprir, sem prejuízo da inclusão do estabelecimento de outras metas.

3 – Qual a importância de uma auditoria ambiental a um aglomerado urbano?

Uma vez identificada a necessidade de adoptar estratégias de sustentabilidade, que se traduzam em acções concretas a implementar localmente, é necessário promover os mecanismos que permitam fazê-lo. Sendo este o objectivo global do Plano de Acção de Lisboa, um dos pontos de destaque é precisamente a utilização de instrumentos e técnicas inovadoras para a gestão da sustentabilidade. É nesta fase do processo que tem cabimento a realização de uma auditoria ambiental. Integrada no processo de gestão da sustentabilidade, esta aparece como o elemento de identificação e caracterização, essencial ao estabelecimento das políticas e dos planos de acção concretos.

A realização da auditoria pode recorrer ao uso de diversos instrumentos, estando estes dependentes do descritor em causa e dos actores e interesses envolvidos no objecto ou sector em análise. Como exemplo pode apontar-se a análise de pontos fortes e fracos e a identificação de oportunidades e ameaças, assim como a monitorização sistemática ou a auscultação, por vários processos de participação cívica, dos diferentes actores sociais e sectoriais. Todos estes mecanismos, integrados na estratégia de recolha e sistematização da informação respeitante aos descritores, identificados à partida como os mais relevantes, visam sustentar a decisão da adopção de políticas e acções concretas a nível local, como forma de dar resposta aos objectivos de sustentabilidade definidos.

4 – O caos Português

“Felizmente que Portugal dispõe de uma componente importantíssima na gestão sustentável do espaço urbano: o capital humano. Há de facto em Portugal um forte interesse por parte das autarquias em interiorizar prácticas e procedimentos ambientalmente correctos, nos processos de gestão do espaço urbano. Prova disso são os Planos Municipais de Ambiente já realizados em muitos Concelhos, ou de uma forma menos clara, as diversas alterações propostas aos actuais instrumentos municipais de ordenamento do território de forma a dar cumprimento a objectivos de protecção do ambiente. “

Estas afirmações até podiam ser verdade, mas de facto não são! A realidade mostra-nos que em mais de trezentos concelhos do continente português, só cerca de uma dezena terão, realizados ou em curso, Planos Municipais de Ambiente. Por outro lado, os instrumentos municipais de ordenamento do território foram, na sua quase totalidade, desenhados para dar cumprimento às expectativas de construção e betonização das suas áreas de influência, cedendo às pressões urbanísticas dos interesses privados, em claro desrespeito pelo interesse público. Paralelamente, a gestão territorial regional não existe. A este facto não será certamente alheia a dificuldade em articular um conjunto de planos municipais em vigor numa mesma região, mas que são na sua maioria das vezes impossíveis de compatibilizar. Entretanto, as figuras legais de protecção de espaços importantes como a Reserva Ecológica Nacional ou a Reserva Agrícola Nacional, são diariamente desrespeitadas, não havendo uma estratégia clara para a sua protecção, pelo que assistimos ao crescimento de cidades muitas vezes à custa do sacrifício destas áreas.

São estes os argumentos que, na minha opinião, sustentam uma urgente tomada de medidas que visem, clara e inequívocamente, dotar a administração local de instrumentos de decisão, que lhes permitam conhecer as consequências dos seus actos de gestão, como forma de obviar a necessidade da adopção de uma estratégia de desenvolvimento urbano sustentável. Neste contexto, a realização de auditorias ambientais faz todo o sentido quando integrada na realização de um Plano Municipal de Ambiente.

Há alguns casos que servem já de exemplo, como o PMA de Setúbal, de Sesimbra ou do Montijo, em que pese embora o facto de a sua conclusão ser muito recente, foi possível definir vectores estratégicos de intervenção e propôr medidas concretas para a promoção da sustentabilidade a nível local. Questões como as acessibilidades, a gestão de resíduos, o ordenamento do espaço, entre outras, permitem comprir objectivos de curto prazo, e ao mesmo tempo dar início a acções cujos resultados se farão sentir no futuro.
Instrumentos como a promoção da participação cívica, ou outros que permitam a identificação de potencialidades e fragilidades são essenciais ao processo de gestão sustentável. Certamente que desta forma será possível defender melhor o interesse dos cidadãos.